Por Nanda Soares

Quando somos crianças queremos ser grandes, fazer coisas de adulto. Aí, vamos crescendo e chegamos à fase da adolescência, tempo em que somos acometidos por um turbilhão de sentimentos. Nesta época não somos mais crianças, mas também não somos adultos. Vamos amadurecendo aos poucos, passando por provações, afirmando posicionamentos que poderão ser reafirmados no futuro, ou não.
Na sociedade em que vivemos atualmente, convivemos constantemente com o fator visual, que tem ganhado altos graus de importância em diversas esferas de nossa realidade. Na esfera da aparência física humana, vamos acompanhando casos de doenças ligadas ao desejo pela adaptação aos padrões de beleza estabelecidos. Alimenta-se um pouquinho só dali, estica e puxa de lá, copia o nariz da celebridade, etc. Mas, em que momento este fator se sobrepôs à essência contida em cada pessoa? Quando foi que este discurso em prol da beleza estereotipada gerou o medo de se tornar parte da chamada terceira idade? Não podemos dizer que cuidar-se para sentir-se mais feliz e mais saudável seja ruim. Ao contrário, pois é assim que nós seres humanos conseguimos maior expectativa e qualidade de vida. O problema vem quando essa busca inicia processos de discriminação e o não enfrentamento da realidade.
Envelhecer não significa tornar-se inativo. Lembremos a terceira idade super ativa de hoje. Envelhecer é um processo natural da vida. Com o tempo nosso corpo vai sentindo a diferença, nossas experiências vão se acumulando e nos modificando, e a maturidade chega. Envelhecer não significa tornar-se inútil ou deixar de viver as coisas boas da vida. Necessitamos de cuidados em todas as fases da vida, cada uma com sua especificidade.
Mas, devemos ressaltar que em alguns casos a velhice gera discriminação. Muitas vezes idosos (as) sofrem críticas que dizem respeito à sua fragilidade. O andar vagaroso, a dificuldade para subir degraus e até mesmo os lugares reservados nos transportes coletivos geram reações adversas. A discriminação quanto à idade para permanecer no trabalho ou conseguir emprego também é real. Algumas pessoas dizem que, às vezes, fica a impressão de que o envelhecer reduz o nosso valor enquanto pessoa, afinal, a produtividade exigida não contempla as proezas e limitações de uma pessoa idosa, já que hoje temos de fazer muita coisa em pouco tempo. As coisas não são mais para hoje ou amanhã, mas sim para ontem. E nem temos máquina do tempo! De qualquer modo, todas as pessoas, de todas as idades merecem uma convivência respeitosa.
Quanta coisa não perdemos pelo caminho por simplesmente desvalorizar o papel dos mais velhos na sociedade? A sobrevivência de muitas culturas depende da oralidade (transmissão de conhecimento através da fala) dos membros mais antigos. A cultura Guarani é exemplo disso. “Os povos originários construíram a história através da memória. Através da oralidade dos “mais velhos”, por meio de relatos sobre o passado da etnia, é que revela-se e cria-se um vínculo entre os jovens e sua história. Fato significativamente importante para a expansão idiomática e a preservação cultural. O relacionamento dos “mais velhos” com os mais jovens propõe um círculo de amizade e respeito mútuo (…). A partir dos 40 anos o membro da comunidade “Yynn Morati Wherá” é considerado “idoso”. Isso não tem nada a ver com a idade cronológica, como na sociedade nacional, mas pelo conhecimento acumulado da comunidade em que vive. Os “mais velhos” da comunidade contam com um valor especial por serem os fios condutores da cultura, da língua, dos costumes, dos rituais” [1].
É natural temermos as dores, as limitações, as modificações de nosso corpo, mas nossa presença material no mundo é muito menor que as nossas ações, nossos laços afetivos, nossas conquistas, nossos sentimentos, nossa essência. Se perdemos por um lado, ganhamos muito por outro. Colecionamos experiências, conhecimentos e sentimentos.O que precisamos fazer é cuidar para envelhecer bem, com saúde em todos os sentidos. E lutar pela dignidade e respeito aos idosos (as) hoje, a começar por nós mesmos. Pois se chegarmos aos 60, 70, 80, 90 e, quem sabe 100 ou mais, vamos vivenciar e colher o que plantarmos no presente.
Já pensou se o ciclo da vida fosse de trás para frente, como disse uma vez Charles Chaplin, que formulou a idéia de viver primeiro num asilo, trabalhar até os 40 e ficar novo para aproveitar a aposentadoria. Depois ir para festas e se preparar para a faculdade. Em seguida vai para o colégio, namora, vira criança, se torna bebê, volta para o útero da mãe e passa seus últimos nove meses de vida flutuando?
Só saberíamos se vivêssemos isso. Mas, enquanto este ciclo ao contrário não se torna real, precisamos viver da melhor maneira possível, aprendendo a reconhecer e admirar a vida como ela é: um labirinto imprevisível numa linha de tempo previsível, com uma conta que sempre será distinta para cada pessoa.


Referência:
Artigo de Nanda Soares – [email protected] – Publicado no Jornal Grito Mulher – da Pastoral da Mulher – BH/MG Ano XVIII – Edição nº. 108 – Agosto de 2009 


[1] – DOS SANTOS, Scheila e TORRES-MORALES, Ofelia Elisa. Idosos indígenas e comunicação: olhares e aproximações. P. 2.
Disponível em: http://www.projetoradix.com.br/arq_artigo/X_07.pdf